'Relógio dos pensamentos' pode explicar por que mente de quem tem insônia não desliga Pessoas com insônia podem ter um “relógio mental” desajustado, que mantém o cérebro pensando como se fosse dia justamente na hora de dormir. É o que indica um estudo da Universidade da Austrália do Sul que comparou, ao longo de 24 horas, o padrão de pensamentos de adultos mais velhos com insônia e de bons dormidores, publicado na revista científica "Sleep Medicine". Sob condições de laboratório que eliminam luz forte, mudanças de postura e tentativa de dormir, os pesquisadores observaram que quem tem insônia não reduz tanto nem no horário certo a intensidade dos pensamentos orientados a objetivos. Em vez de “desligar”, a mente segue em modo de raciocínio sequencial, o que pode ajudar a explicar a sensação de mente acelerada na cama. 'Relógio mental' sob vigilância por 24 horas Os pesquisadores da Universidade da Austrália do Sul, em colaboração com a Washington State University e a Flinders University, recrutaram 32 pessoas com mais de 55 anos: 16 com insônia de manutenção do sono (aqueles que acordam de madrugada e custam a voltar a dormir) e 16 bons dormidores. Todos passaram antes por polissonografia, entrevistas e diários de sono para descartar outros distúrbios e uso de medicamentos que pudessem confundir os resultados. Insônia? Sono quebrado? Um guia para noites bem dormidas Na etapa principal, os voluntários foram submetidos a uma “rotina constante” de 26 horas no laboratório. Ficaram em cama, com luz fraca, sem cochilos, recebendo pequenos lanches a cada duas horas e sem café, álcool ou grandes estímulos. A ideia era nivelar ao máximo o ambiente para revelar apenas as oscilações internas do organismo, como o relógio circadiano. Mulher com sono tocando no despertador jcomp no Freepik A cada hora, por 24 horas, os participantes respondiam a uma escala que avaliava oito aspectos dos pensamentos nos últimos cinco minutos: se eram mais imagens ou diálogos internos, mais repetitivos ou em sequência, mais “sonho” ou mais “realidade”, mais agradáveis ou desagradáveis; e o quanto sentiam controlar, monitorar e recordar esses conteúdos, além da consciência do ambiente externo. O que o estudo encontrou Nos dois grupos, os cientistas observaram um ritmo de 24 horas na forma como a mente funciona: pensamentos mais ligados a tarefas e à realidade ganharam força durante o dia e foram ficando mais raros, mais imagéticos e mais “oníricos” na madrugada. O controle voluntário, a atenção ao ambiente e a capacidade de recordar o que se pensou também caíam à noite, como esperado num cérebro que se prepara para dormir. A diferença apareceu na intensidade e no horário dessa virada. Em bons dormidores, o contraste entre dia e noite foi mais claro: a mente desengatava de forma mais profunda e no período esperado pela biologia. Já nas pessoas com insônia, a variação foi mais achatada, com menos contraste entre o pico diurno e a “calmaria” noturna em itens como sensação de realidade dos pensamentos e controle sobre o que se pensa. Além disso, o “pico” do pensamento mais engajado – aquele em que o conteúdo mental se encadeia em sequência lógica, como numa lista mental ou num planejamento – apareceu atrasado em cerca de 6h30 no grupo com insônia, o que significa que o cérebro ainda estava em modo de raciocínio linear quando já deveria estar entrando num estado mais solto, próximo do sonho. A insônia é um dos sinais de que uma pessoa pode estar sofrendo com a síndrome de burnout. shutterstock Pensamento em “corrente” como traço da insônia Um dos achados que mais chamaram a atenção dos autores foi o padrão de pensamento sequencial. Enquanto bons dormidores alternavam entre momentos em que as ideias se repetiam e outros em que seguiam em sequência, as pessoas com insônia relataram, em média, mais pensamento linear o tempo todo, especialmente à noite. Esse estilo mental, em que uma preocupação leva a outra e depois a outra, é descrito em estudos de ansiedade e depressão e aparece com frequência em relatos de quem sofre de insônia: a famosa “mente que não para”, que revisa o dia, planeja o seguinte, repassa problemas e riscos. Para os autores, isso sugere um traço cognitivo que pode manter a vigília, independentemente do ambiente ou da tentativa de dormir. Metodologia: o que o estudo fez bem e onde é preciso cautela No desenho da pesquisa, um ponto central é justamente o uso do protocolo de rotina constante. Ao manter todos acordados em condições controladas, os pesquisadores conseguiram reduzir o efeito de respostas condicionadas ao ato de tentar dormir – por exemplo, a ansiedade de deitar sabendo que “não vai pegar no sono” – e isolar melhor o componente de relógio biológico dos pensamentos. Esse tipo de protocolo é considerado um padrão robusto em cronobiologia. Por outro lado, o estudo tem limitações claras, reconhecidas pelos autores. A amostra é pequena (16 pessoas com insônia e 16 bons dormidores), composta apenas por adultos mais velhos com um tipo específico de insônia (manutenção), o que dificulta extrapolar os resultados para jovens ou para quem sofre principalmente para iniciar o sono. Os itens usados para descrever os pensamentos foram criados para o experimento e não passaram por validação psicométrica completa, o que reduz a precisão das medidas. E, como o protocolo retirou a pressão real de “precisar dormir para trabalhar no dia seguinte”, é possível que o cenário de laboratório tenha atenuado parte da angústia e do hiperacionamento mental típicos da insônia em casa. Implicações para o tratamento da insônia Os resultados reforçam o modelo de hiperexcitação cerebral, em que o córtex pré-frontal – envolvido em planejamento, tomada de decisão e controle de pensamentos – não reduz sua atividade à noite como deveria. Isso abre espaço para intervenções que combinem duas frentes: 1 - Ritmos biológicos Exposição à luz natural em horários adequados. Rotinas diárias estruturadas (horário para acordar, se alimentar, se exercitar e se desligar de telas) para fortalecer o contraste dia/noite do relógio interno. 2 - Padrões de pensamento Técnicas de mindfulness e terapias cognitivas, que ajudam a observar pensamentos sem engatar em longas sequências de preocupação. Ajustes em protocolos de terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), incluindo componentes focados especificamente na tendência a pensar de forma encadeada à noite. Segundo os autores, entender a insônia como um problema que combina padrões cognitivos persistentes e alterações de ritmo circadiano pode levar a tratamentos mais personalizados, em vez de abordagens únicas para todos os pacientes. E agora? O estudo é um passo importante para explicar por que, para algumas pessoas, não basta “ir para a cama mais cedo” ou “relaxar” para dormir. Ele mostra que o próprio timing da mente pode estar fora de sincronia com o resto do corpo. Os autores defendem que pesquisas futuras incluam amostras maiores, outros tipos de insônia e pacientes com ansiedade isolada, para tentar separar melhor o que é específico da insônia e o que é um mecanismo compartilhado com outros transtornos. Uso de telas na cama aumenta risco de insônia
'Relógio mental' pode explicar por que a cabeça de quem tem insônia não desliga à noite
Guia Modelo Escrito em 02/12/2025
'Relógio dos pensamentos' pode explicar por que mente de quem tem insônia não desliga Pessoas com insônia podem ter um “relógio mental” desajustado, que mantém o cérebro pensando como se fosse dia justamente na hora de dormir. É o que indica um estudo da Universidade da Austrália do Sul que comparou, ao longo de 24 horas, o padrão de pensamentos de adultos mais velhos com insônia e de bons dormidores, publicado na revista científica "Sleep Medicine". Sob condições de laboratório que eliminam luz forte, mudanças de postura e tentativa de dormir, os pesquisadores observaram que quem tem insônia não reduz tanto nem no horário certo a intensidade dos pensamentos orientados a objetivos. Em vez de “desligar”, a mente segue em modo de raciocínio sequencial, o que pode ajudar a explicar a sensação de mente acelerada na cama. 'Relógio mental' sob vigilância por 24 horas Os pesquisadores da Universidade da Austrália do Sul, em colaboração com a Washington State University e a Flinders University, recrutaram 32 pessoas com mais de 55 anos: 16 com insônia de manutenção do sono (aqueles que acordam de madrugada e custam a voltar a dormir) e 16 bons dormidores. Todos passaram antes por polissonografia, entrevistas e diários de sono para descartar outros distúrbios e uso de medicamentos que pudessem confundir os resultados. Insônia? Sono quebrado? Um guia para noites bem dormidas Na etapa principal, os voluntários foram submetidos a uma “rotina constante” de 26 horas no laboratório. Ficaram em cama, com luz fraca, sem cochilos, recebendo pequenos lanches a cada duas horas e sem café, álcool ou grandes estímulos. A ideia era nivelar ao máximo o ambiente para revelar apenas as oscilações internas do organismo, como o relógio circadiano. Mulher com sono tocando no despertador jcomp no Freepik A cada hora, por 24 horas, os participantes respondiam a uma escala que avaliava oito aspectos dos pensamentos nos últimos cinco minutos: se eram mais imagens ou diálogos internos, mais repetitivos ou em sequência, mais “sonho” ou mais “realidade”, mais agradáveis ou desagradáveis; e o quanto sentiam controlar, monitorar e recordar esses conteúdos, além da consciência do ambiente externo. O que o estudo encontrou Nos dois grupos, os cientistas observaram um ritmo de 24 horas na forma como a mente funciona: pensamentos mais ligados a tarefas e à realidade ganharam força durante o dia e foram ficando mais raros, mais imagéticos e mais “oníricos” na madrugada. O controle voluntário, a atenção ao ambiente e a capacidade de recordar o que se pensou também caíam à noite, como esperado num cérebro que se prepara para dormir. A diferença apareceu na intensidade e no horário dessa virada. Em bons dormidores, o contraste entre dia e noite foi mais claro: a mente desengatava de forma mais profunda e no período esperado pela biologia. Já nas pessoas com insônia, a variação foi mais achatada, com menos contraste entre o pico diurno e a “calmaria” noturna em itens como sensação de realidade dos pensamentos e controle sobre o que se pensa. Além disso, o “pico” do pensamento mais engajado – aquele em que o conteúdo mental se encadeia em sequência lógica, como numa lista mental ou num planejamento – apareceu atrasado em cerca de 6h30 no grupo com insônia, o que significa que o cérebro ainda estava em modo de raciocínio linear quando já deveria estar entrando num estado mais solto, próximo do sonho. A insônia é um dos sinais de que uma pessoa pode estar sofrendo com a síndrome de burnout. shutterstock Pensamento em “corrente” como traço da insônia Um dos achados que mais chamaram a atenção dos autores foi o padrão de pensamento sequencial. Enquanto bons dormidores alternavam entre momentos em que as ideias se repetiam e outros em que seguiam em sequência, as pessoas com insônia relataram, em média, mais pensamento linear o tempo todo, especialmente à noite. Esse estilo mental, em que uma preocupação leva a outra e depois a outra, é descrito em estudos de ansiedade e depressão e aparece com frequência em relatos de quem sofre de insônia: a famosa “mente que não para”, que revisa o dia, planeja o seguinte, repassa problemas e riscos. Para os autores, isso sugere um traço cognitivo que pode manter a vigília, independentemente do ambiente ou da tentativa de dormir. Metodologia: o que o estudo fez bem e onde é preciso cautela No desenho da pesquisa, um ponto central é justamente o uso do protocolo de rotina constante. Ao manter todos acordados em condições controladas, os pesquisadores conseguiram reduzir o efeito de respostas condicionadas ao ato de tentar dormir – por exemplo, a ansiedade de deitar sabendo que “não vai pegar no sono” – e isolar melhor o componente de relógio biológico dos pensamentos. Esse tipo de protocolo é considerado um padrão robusto em cronobiologia. Por outro lado, o estudo tem limitações claras, reconhecidas pelos autores. A amostra é pequena (16 pessoas com insônia e 16 bons dormidores), composta apenas por adultos mais velhos com um tipo específico de insônia (manutenção), o que dificulta extrapolar os resultados para jovens ou para quem sofre principalmente para iniciar o sono. Os itens usados para descrever os pensamentos foram criados para o experimento e não passaram por validação psicométrica completa, o que reduz a precisão das medidas. E, como o protocolo retirou a pressão real de “precisar dormir para trabalhar no dia seguinte”, é possível que o cenário de laboratório tenha atenuado parte da angústia e do hiperacionamento mental típicos da insônia em casa. Implicações para o tratamento da insônia Os resultados reforçam o modelo de hiperexcitação cerebral, em que o córtex pré-frontal – envolvido em planejamento, tomada de decisão e controle de pensamentos – não reduz sua atividade à noite como deveria. Isso abre espaço para intervenções que combinem duas frentes: 1 - Ritmos biológicos Exposição à luz natural em horários adequados. Rotinas diárias estruturadas (horário para acordar, se alimentar, se exercitar e se desligar de telas) para fortalecer o contraste dia/noite do relógio interno. 2 - Padrões de pensamento Técnicas de mindfulness e terapias cognitivas, que ajudam a observar pensamentos sem engatar em longas sequências de preocupação. Ajustes em protocolos de terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I), incluindo componentes focados especificamente na tendência a pensar de forma encadeada à noite. Segundo os autores, entender a insônia como um problema que combina padrões cognitivos persistentes e alterações de ritmo circadiano pode levar a tratamentos mais personalizados, em vez de abordagens únicas para todos os pacientes. E agora? O estudo é um passo importante para explicar por que, para algumas pessoas, não basta “ir para a cama mais cedo” ou “relaxar” para dormir. Ele mostra que o próprio timing da mente pode estar fora de sincronia com o resto do corpo. Os autores defendem que pesquisas futuras incluam amostras maiores, outros tipos de insônia e pacientes com ansiedade isolada, para tentar separar melhor o que é específico da insônia e o que é um mecanismo compartilhado com outros transtornos. Uso de telas na cama aumenta risco de insônia